Arquivo do autor:André Gaiarsa

Sobre André Gaiarsa

psicanalista reichiano

Abrindo a porta do mundo das sombras

Para isto é proibido o esforço físico. As sombras são muito sensíveis a qualquer ameaça à sua liberdade. Eventualmente elas podem ser coagidas, que é o que se chama bruxaria, mas quem a pratica compromete a própria integridade neste exercício, ou seja, perde a possibilidade de realização.
As sombras se aproximam quando são reconhecidas. Neste ponto elas não são exigentes. Qualquer sinal de percepção de sua presença permite que elas se aproximem e ofereçam novas pistas. Porque elas são fantasmas de quereres, que desejam voltar à vida e, para isto, precisam de um olhar que lhes permita entregar sua carga de sofrimento e ressuscitar.
Quanto maior esta carga, mais arisca a sombra. Mas um fato vai aliviar o peso deste desafio, as sombras conversam entre si. Cada sombra libertada avisa às outras da possibilidade de volta à vida. Por isto a continuidade do diálogo é essencial, para que a confiança seja reinvestida e mesmo as sombras mais pesadas possam vir à procura da luz de um reconhecimento.
A recompensa por este diálogo, tão difícil, é o momento em que uma sombra ressuscita. Porque este é o único momento em que temos acesso à ordem maior, que rege o mundo das sombras e da luz. Que pode ser pensada ou imaginada, mas é apenas neste momento em que ela pode ser vista. Testemunhamos um querer saindo de algum lugar que o aprisiona e vislumbramos a forma desta prisão.
Só os bruxos com a mentira que os constitui, prometem tesouros presos no mundo das sombras. O único tesouro são suas prisioneiras, o resto é apenas morte. Por isto elas se debatem e perturbam os desejos vivos, com sua inquietação e seu peso, querem sair do mundo onde nada acontece.
As sombras são prisioneiras de conhecimentos do mal, que têm o poder de aprisionar quereres, porque são profecias negativas, cuja negatividade intimida o querer que, por isto, precisa da aliança de um olhar que o reconheça como positivo.
Existem também os saberes do bem, cuja característica é a humildade, porque só estão presentes enquanto testemunham, por isto não aprisionam. O conjunto dos saberes do bem constitui o mundo da penumbra, que forma a moldura do mundo da luz.
O mundo oculto se constitui de dois conjuntos de saberes; os do bem e os do mal. Gerando três mundos; o do negror, o da penumbra e o da luz.
O do negror é o conjunto dos saberes do mal, é inabordável, porque cercado de paredes de terror. Ele só pode ser penetrado com ajuda externa. Sua existência testemunha o conjunto das experiências sem solução. Quando o coração não dá conta de uma situação, nasce uma sombra.
Os saberes do mal ou profecias são, na verdade, memórias mortas. As sombras são quereres, prisioneiros de lembranças das experiências negativas, Que perturbam o funcionamento da mente e do corpo, por não aceitarem o exílio do mundo da luz, sua terra.
Devo lembrar que saberes do mal é um modo de dizer, o mal supõe escolha o que não existe no mundo oculto, digo do mal porque perpetuam, por privação de liberdade, o sofrimento que as fez nascer.

O penico na sala

[botequim 45]

Botequim-45
As discussões políticas no Brasil têm partido de um princípio um pouco equivocado, onde o importante é definir quem errou. Alguns equívocos estão presentes nesta lógica: o primeiro que o erro seja algo excepcional quando faz tanto parte da nossa natureza quanto respirar; o segundo é que localizar o que está errado ou quem errou resolva alguma coisa; o terceiro que exista um “certo” universal.
Continuar lendo

Psicanálise e filosofia

Bosch-67

[aula 67 – Curso Nova Análise do Caráter]

A filosofia se dirige ao pensamento e a psicanálise, ao pensador. A filosofia supõe um pensador neutro, que simplesmente acolhe ou não uma reflexão, e Freud descobriu que esse tipo não existe.

Aquele que pensa não só não é neutro como ele mesmo é um pensamento, ou melhor, é fruto de uma reflexão que é em parte consciente em parte não. Cada posição nossa é resultado de uma reflexão ou de um sistema de escolhas racionalmente organizado. É esta organização que permite a interpretação psicanalítica, que é o reconhecimento da lógica da posição da pessoa em cada situação.
Continuar lendo

Sobre a liberdade interior

[botequim 44]

Botequim-44
Todos nós carregamos um tirano interno que nos diz que devemos ser algo que não somos. Esta voz tem todos os graus de potência desde um ligeiro mal estar até um grito interior paralisante.
Continuar lendo

Psicanálise, complicação e simplicidade

Bosch-66

[aula 66 – Curso Nova Análise do Caráter]

A complicação nem é tanta, pelo menos depois de entendida. Vou propor um caminho de compreensão que acredito ser relativamente simples. Primeiro vamos olhar mais de perto a comunicação verbal, por exemplo, a que estou fazendo. Estou expondo uma ideia por vez e você lendo vai reunir o que eu digo para entender a explicação. A comunicação verbal é linear, uma linha de ideias encadeadas que produzem um conjunto.
Continuar lendo

Intransigência

[botequim 43]

Botequim-43
Nossa calma depende em grande parte das rotinas que criamos e seguimos. Tomar café da manhã na mesma padaria, usar os mesmo caminhos para o trabalho todos os dias, são exemplos da rotina que nos tranquiliza. O bom da rotina é que não é necessário pensar, criar, inventar. Apenas seguimos em frente nos preparando para aquilo que demanda invenção.
Continuar lendo

Romantismo e psicanálise

Bosch-65

[aula 65 – Curso Nova Análise do Caráter]

Por valorizarem a emoção, psicanálise e romantismo têm uma proximidade que leva quase à confusão, mas o valor dado à emoção vem de fontes e tem objetivos diferentes. A explicação vai ser mais clara com um exemplo e vou usar um fragmento de um caso de Freud, o do artigo O homem das ratazanas, apenas um fragmento muito pequeno interessa à discussão. Quando o analisando está falando do horror que sente diante da tortura que dá nome ao artigo Freud percebe apenas uma expressão de prazer sem nenhum vestígio do horror, ou seja, ele percebe um prazer sádico inconsciente.

Continuar lendo

Realizar-se

[botequim 42]

Botequim-42
Nossa vida emocional é regida por alguns padrões universais, um deles é o de que a experiência de realização deriva de vivências corporais. A principal delas é a do reflexo do orgasmo, experiência que organiza a iniciativa em direção ao prazer. Sendo a experiência de prazer máximo corporal, torna- se o organizador da forma da ação.
Continuar lendo

O campo de abordagem do analista

Bosch-64

[aula 64 – Curso Nova Análise do Caráter]

Existe em filosofia uma frase que é conhecida como “a navalha de Occam: Os entes não devem se multiplicar sem necessidade”. Talvez por isso não tenha sido criado por outros, mas o conceito de egossistema se faz necessário para descrever o campo de trabalho do analista. Eu defini egossistema como o conjunto das identificações ou tudo que chamo de meu: país, família, clube, profissão etc.

Em outras palavras, trata-se de questionar objetivamente a ideia do indivíduo como algo separado de outros, independente, cujas trocas são definidas apenas pelas necessidades objetivas. A partir da clínica podemos afirmar que esse indivíduo não existe. Todos nós fazemos parte de algo, somos feitos destas relações de mão dupla: o Brasil é meu país e sou do Brasil. Para descrever a pessoa real é necessário incluir esse conjunto de identificações pelas quais ela se define e é definida.

Continuar lendo

A reparação

[botequim 41]

Botequim-41

Depois da tragédia, relatos descreveram os parisienses como sérios, silenciosos e mais gentis do que o habitual, ou seja, estavam profundamente enlutados. Acredito que as pessoas informadas e pensantes se irmanam nesse luto. Pensávamos que o mundo estava livre dos nazistas e eles voltaram, o luto é pela paz que eles não vão permitir. Enquanto existirem não haverá paz, não falo das pessoas, é claro, mas da organização que mostrou não produzir nada além de guerra e morte.

Continuar lendo

Uma crença e alguns palavrões

Bosch-63

[aula 63 – Curso Nova Análise do Caráter]

O que venho escrevendo neste blog está apoiado em uma crença: pode-se transmitir o conhecimento psicanalítico sem palavrões, com palavras cotidianas. Estou dizendo isto para avisar que vou quebrar esta regra e usar algumas palavras menos comuns.

O aparelho psíquico é uma organização percepto-cognitiva. pronto já disse. Por que usar estes termos? Para descrever algo que precisa ser construído no pensamento e depois verificado na realidade. Primeiro: aparelho psíquico, usar estes termos marca a intenção de tratar a alma como parte de um funcionamento biológico como o aparelho digestivo ou respiratório. Lembrar que a consciência é natural, nossa consciência é a fonte da cultura, mas produto da natureza.

Continuar lendo

Sobre a segurança

[botequim 40]

Botequim-40

Como qualquer aspecto da realidade, a insegurança objetiva nos dá a escolha de aceitá-la ou aceitá-la porque lutar contra ela é derrota inevitável.

Temos escolha relativa na segurança subjetiva, que vou definir como clareza no posicionamento social. A capacidade de responder de maneira clara e afirmativa às escolhas exigidas pelas situações.

Continuar lendo

Corpo e psicanálise

Bosch-62

[aula 62 – Curso Nova Análise do Caráter]

Comecei a vida profissional – já se vão quarenta anos – com a intenção de ser psicoterapeuta corporal, o que nunca consegui alcançar. A minha ideia era a de que o corpo, com sua existência objetiva, seria capaz de dar uma base sólida a uma psicologia racional, coerente com minha formação médica.

Nunca encontrei esse corpo objetivo e sólido, concreto, mas encontrei outro tão sólido quanto este que eu procurava, até onde eu entendi. Ele é emocionalmente concreto porque é constituído da música das intensidades emocionais que são plenamente perceptíveis. E nem todas as intensidades são verbais, existem falas tranquilas assim como silêncios tensos. Essa música, concreta e inequívoca é a manifestação do corpo. Com o alargamento da experiência essa música é meu norte principal, o conteúdo verbal me indica apenas onde está o analisando no interior de sua própria melodia.

Continuar lendo

Direita e esquerda

[botequim 39]

Botequim-39

Emocionalmente é simples a escolha política, se você sente inveja dos outros vai para a esquerda e se sente medo da inveja dos outros vai para a direita. É claro que nenhum dos dois vai admitir que a escolha seja emocional e dirão imediatamente os motivos racionais de sua posição. Ou seja, se você não quer ouvir discursos de botequim, não mencione esta forma de motivação. A turma do medo vai se declarar defensora da lei e a da inveja, da justiça. E aí teremos uma discussão de botequim tão acalorada quanto pouco inteligente.

Continuar lendo

O contrato

Bosch-61

[aula 61 – Curso Nova Análise do Caráter]

A função de um contrato é criar um espaço de exceção, sua necessidade deriva do dualismo que nos constitui. Esse dualismo se materializa na existência de uma parte consciente e uma inconsciente do nosso espírito. A consciência domina o inconsciente, que tem uma organização própria, invisível para a consciência. O espaço singular, gerado pelo contrato, visa dar voz a esta organização.

A singularidade deste espaço está em uma inversão de valores entre a objetividade e a subjetividade. No geral, a relação entre estranhos é regida pela objetividade, só me dirijo a alguém que não conheço por alguma razão objetiva, assim como só aceito ser abordado da mesma forma. Continuar lendo

Monarquia, república e inconsciente

[botequim 38]

Botequim-38

Do ponto de vista da realidade emocional, monarquia e república implicam em atitudes opostas na relação com a autoridade: é monarquia quando a subordinação tem a segurança como finalidade, enquanto na república segurança é a realização. As duas divergem no valor da integridade, na monarquia este valor é menor do que a segurança, no lugar do indivíduo ser fiel a si mesmo ele se faz fiel a outrem. Na república é o contrário.

Continuar lendo

A razão foi para o espaço

Bosch-60

[aula 60 – Curso Nova Análise do Caráter]

Aviso

Para quem estiver acompanhando o curso (esta é a 60a aula!), aviso que vou mudar de direção. Até aqui falei dos tipos de caráter e, através de diferentes pontos de vista, expus um conhecimento. Procurei ser legível para todos, desde os próximos da psicologia até os distantes.
Entendo este saber como algo objetivo, baseado na percepção e como científico pois apoiado na dúvida. Acreditando que eu tenha reunido credenciais para tal, vou começar uma série sobre a clínica, onde trabalho faz já quarenta anos.
Quem não estiver acompanhando proponho que busque aqui as aulas anteriores. Devo voltar aos tipos mas não será de imediato.
Continuar lendo

Medo e trânsito

[botequim 37]

Botequim-37Nos países desenvolvidos os transportes públicos são eficientes, pontuais e baratos e, mesmo assim, muita gente anda de automóvel. Aqui vou iluminar um dos motivos possíveis desse fato. Digo iluminar porque vou falar de algo que pode ser observado, mas que normalmente não ocupa o primeiro plano dos nossos interesses.
Continuar lendo

Caráter e lesão

Egossistema-59

[aula 59 – Curso Nova Análise do Caráter]

Meu objetivo hoje é mostrar a relação entre egossistema e caráter, para isso vou lembrar um e outro.

O egossistema é um território gerado pela percepção de diferenças: ficamos dentro do conhecido, coerente, adequado e justo, sendo continuamente levados para fora desse contorno pela busca de realização. Ao sermos levados para fora, corrigimos o tempo todo essas percepções, porque o desconhecido torna-se conhecido, por exemplo. O egossistema é constante na diferença percebida, mas mutante na forma, nossa descrição da realidade vai sendo modificada pela experiência. Continuar lendo

Uma hipócrita melancolia

[botequim 36]

Botequim-36Os brasileiros falam mal do Brasil, mas algo de curioso acontece com esse “falar mal”: quanto mais privilegiada a posição maior a maledicência. A contradição é apenas aparente, se olharmos para esses privilegiados como sendo portugueses em terra estranha para lá levados pela miséria no torrão natal, a figura se encaixa.
Continuar lendo

Estranhar e teimar, o self

Egossistema-58

[aula 58 – Curso Nova Análise do Caráter]

Não podemos excluir o inconsciente porque ele existe e não podemos incluir porque é inconsciente. Sem saída? Sim e não, sim porque realmente é assim, mas podemos mudar algo que faz toda a diferença.

Para chegarmos a uma compreensão clara é preciso dar um passo atrás. Observe que o infinito é algo em que não podemos pensar, embora ele exista. Nossa atividade psíquica se dirige à conclusão, a uma definição, diante do infinito ela não pode existir, pois concluir é terminar. Por isso o inconsciente é impensável, porque é indeterminado.

Continuar lendo

Mentira

[botequim 35]

Botequim-35Acredito que seja normal ligar a mentira à política, pois apenas a necessidade de poder justifica o trabalho de faltar com a verdade. Sendo esta normalmente o caminho mais curto nas relações (risos).
Continuar lendo

Consequências do teimar

Egossistema-57

[aula 57 – Curso Nova Análise do Caráter]

Que fique claro que estou falando da teima infantil, que não é igual à teima adulta. A teima infantil é involuntária, reação que surge em todas as crianças, por volta dos dois anos de idade. Embora seja igual à teima adulta no aspecto, é inteiramente diferente no conteúdo.

Podemos chamá-la de teima sem consequências. A teima adulta defende certa direção, um rumo, a infantil não, ou melhor, defende apenas seu rumo naquele momento. E vou chamar de antirrumo, porque é a inversão do movimento de seguir, que é o rumo dessa primeiríssima infância, até então o caminho do nenê é ir atrás da mãe.

Continuar lendo

Barraco, psicologia e função

[botequim 34]

Botequim-34Assim como a perversão é atribuída aos mais pobres, o barraco frequenta todas as camadas sociais e todos os graus de educação, mesmo sendo atribuído aos incultos. Abordar o barraco envolve, portanto, lidar com preconceitos.
Continuar lendo

Consequência do estranhar

Egossistema-56

[aula 56 – Curso Nova Análise do Caráter]

No momento em que se define o grupo de pessoas nas quais a criança confia, define-se o mundo dessa criança. A partir do estranhar nenhum de nós vive no mundo, mas cada um vive no seu mundo, continuação desse mundo que a criança que fomos gerou. Assim como vivemos dentro do que conhecemos como se fosse o todo, mesmo sabendo do quanto de desconhecido existe.

Por isso a palavra egossistema se faz necessária, para definir esse mundo que é um recorte que tratamos como se fosse o todo. É aquilo que podemos chamar de realidade subjetiva porque não coincide com a realidade geral, por ser um recorte dela. Não é algo fora da realidade, mas parcial.

Continuar lendo

Empobrecimento

[botequim 33]

Botequim-33Acredito que não seja uma experiência rara hoje em dia, na crise muitos empobrecem. Como nada podemos fazer objetivamente além de bater a cabeça na parede e devanear sobre negócios milionários, podemos talvez usar a situação para pensar sobre a adaptação ao empobrecimento.
Continuar lendo

Egossistema

Egossistema-55

[aula 55 – Curso Nova Análise do Caráter]

Cada vez que termino um ciclo faço uma celebração e desta vez vou propor um termo novo, que se faz necessário para descrever o espaço onde acontece a vida psíquica: egossistema. Nossa vida emocional acontece em um mundo que construímos a partir de determinantes biológicas.

São duas as reações que dão origem a essa construção: a reação de estranhar, que emerge por volta dos oito meses de idade e a reação de teima ou oposicional, por volta dos dois anos. Ocorre uma interação entre essas reações e o meio, nesse caso o meio exclusivamente humano, e por isso chamo de egossistema e não ecossistema. Se o meio não é favorável, gera as formas de caráter que permitem a continuidade da vida emocional apesar das condições adversas.

Ocuparei cinco aulas para descrever como essas reações geram nosso mundo e quais os tipos de caráter, que são falhas na sua constituição.

Continuar lendo

Algo especial

[botequim 32]

Botequim-32Algumas coisas são mais fáceis de ver do que descrever, uma delas é a presença emocional. Não é difícil distinguir a mudança de máscara que acompanha o discurso se tornando rosto humano e sensível. Tudo é exatamente igual, mas cada movimento, por menor que seja, tem poder e graça.
Continuar lendo

A presença do histérico

Bosch-54

[aula 54 – Curso Nova Análise do Caráter]

Se existem regras em psicanálise, uma delas diz respeito à violência e os cuidados que devem ser tomados com relação a ela. É muito difícil ser caridoso com o histérico, em função das decepções que este caráter gera. Decepções que não são responsabilidade da pessoa, mas consequência da doença. O histérico se vê como e parece ser algo que não é nem vai ser.

Podemos chamá-lo de adulto ilusório, todos os sinais da maturidade social estão presentes inclusive sexuais, mas não há de fato maturidade. É o papel de adulto primorosamente imitado por uma criança que é inacessível porque protegida pelo papel.

Continuar lendo

Celular e mundo interno, tudo a ver

[botequim 31]

Botequim-30Não podemos usar celular ao volante, porque, ao ligar ou atender acontece algo mais do que a mudança de foco da atenção. Mudamos para o nosso mundo interno. Temos esse poder de transitar entre mundo externo e interno, não que o outro desapareça, mas perde importância. Vamos ser mais precisos. No trânsito estou tomando decisões objetivas, e quando atendo o telefone passo a decidir na subjetividade: quem ligou, se gosto ou não gosto da pessoa, o que quero com ela etc. – deixando as decisões da direção aos cuidados da experiência.
Continuar lendo

A presença obsessiva

Bosch-53

[aula 53 – Curso Nova Análise do Caráter]

Este caráter parece sempre um pouco fora de moda, pois a moda agora é reduzir as cerimônias sociais ao mínimo, e ele é essencialmente cerimonioso. Essencialmente porque vive restrito a uma única forma de adaptação social, quando temos duas: a que nasce do contato emocional e a que nasce das regras.

O obsessivo não tem a mais remota ideia do que seja contato emocional, encerrado como está em uma camisa de força muscular e psicológica cuja função é conter a explosão de ódio contra a autoridade, da qual se sente servo exemplar.

Continuar lendo

A vontade escura

[botequim 30]

Na astronomia existe a matéria escura, que não pode ser observada diretamente, mas somente pelo seu efeito sobre os corpos, pois exerce uma força gravitacional tão intensa que o que está próximo ela absorve, inclusive a luz. Na psicologia existe a vontade escura, a vontade que é inconsciente. Como uma força gravitacional, é invisível, ela exerce um poder sobre a existência e sobre as relações, sem existir para a consciência. Continuar lendo

A presença do fálico

Bosch-52

[aula 52 – Curso Nova Análise do Caráter]

Afirmativo, simpático, bem falante, o fálico levará o analista principiante à dúvida sobre quem é o doente. O analista experiente, por outro lado, sabe o quanto de miragem esta impressão contém, por ser um reflexo dos valores sociais. O fálico não realiza a si mesmo, mas a ideais sociais. Miragem mas não fraude, o fálico quer ser o melhor em cada atividade e se dedica a isso honestamente. Costuma ser um sucesso profissional, aceitando com naturalidade as regras do jogo que definem o vencedor.

Bem colocado nos grupos, não costuma exercer a liderança, seu papel é mais o do príncipe do que do rei, raramente ocupando o centro da cena. Sua posição é estratégica, porque o fálico precisa estar próximo à porta de saída. Faz parte de sua presença a ameaça de ausência. Na sua forma típica o fálico aparece, encanta e desaparece.

Continuar lendo

Luto e criação

[botequim 29]

Botequim-29

Não, não é papo baixo astral. A ideia é refletir sobre as perdas, que são experiência cotidiana, mais ainda em tempos de crise. É claro que não se trata de assunto agradável, mas é melhor falar e trazer um pouco da luz da inteligência para a escuridão do sofrimento. Se não temos como viver sem elas, podemos pelo menos definir seus contornos e evitar que tomem conta de nossas vidas. Continuar lendo

A presença passiva

Bosch-51

[aula 51 – Curso Nova Análise do Caráter]

Simpatia e facilidade de conversa dão o tom deste caráter tão radicalmente traiçoeiro. Ele o é não no sentido moral, mas afetivo. A inconsistência emocional ou frieza deste caráter não é aparente. Por favor, aqui é necessário muito cuidado para distinguir o ponto de vista subjetivo do ponto de vista objetivo, desde o qual são pessoas moralmente bem constituídas e simpáticas.

É na subjetividade que está a dificuldade moral. O passivo sacrifica sua integridade subjetiva ou a fidelidade a si mesmo – que pode ser definida como mostrar do que eu gosto e do que não gosto – escondido pela preocupação com o funcionamento social.

Continuar lendo

Só o amor destrói

[botequim 28]

Botequim-28

Como sempre em momentos de crise os arautos da fraternidade aproveitam para tirar o sossego do próximo. Qual o benefício social gerado por esses pastores é algo que não sei avaliar e não é meu objetivo. O que interessa aqui é o famoso egoísmo, os corações de pedra que têm de ser derretidos pela insistência. Continuar lendo

A presença masoquista

Bosch-50

[aula 50 – Curso Nova Análise do Caráter]

Abrir as portas para o contato com o masoquista é o mesmo que abrir as portas para a miséria. Não estou falando, é claro, da miséria material, mas do sofrimento acompanhado da sensação de falta de recursos para influir positivamente sobre ele.

Como não tem recursos, ele procura alguém que os tenha, levando seu sofrimento aos ouvidos de quem esteja disponível, havendo ouvidos haverá queixa.

O sofrimento e a ansiedade são permanentes nesta subjetividade atormentada, frequentemente associada a um aspecto patético e desesperado. Seu um corpo é definido pela tensão crônica da cintura pélvica e da escapular, ou quadris e ombros, dando-lhe um aspecto atarracado.

Continuar lendo

Sobre a serenidade

[botequim 27]

Botequim-27

Em casa onde não tem pão todos gritam e ninguém tem razão. (ditado mineiro)

Continuar lendo

A presença do normopata fronteiriço

Bosch-49

[aula 49 – Curso Nova Análise do Caráter]

A presença do fronteiriço é percebida pela vertigem que ele causa com sua tendência de envolver quem esteja por perto. A presença do fronteiriço não pode ser ignorada porque ele não permite. Ele envolve os circunstantes em uma busca desesperada de que algo se resolva dentro dele.

Essa presença imperiosa proporciona ao fronteiriço chegar a posições de liderança, as quais ele exerce com crueldade e eficiência. Crueldade porque a adequação social tem para esse caráter um valor absoluto, ele se dá ao direito de interferir na vida dos que o cercam sempre tendo em vista a norma social. O que não quer dizer que ele siga essas normas, especialmente no que diz respeito às boas maneiras.

Continuar lendo

Malevolência do brasileiro

[botequim 26]

Botequim-26

Acredito que eu não esteja sozinho no estranhamento da violência que tem aparecido nas discussões políticas no Brasil. O brasileiro deixou de ser o homem cordial e tornou-se malévolo? Acho que podemos ser menos precipitados e refletir sobre o campo onde esta mudança acontece.

Continuar lendo

A presença psicopata

Bosch-48

[aula 48 – Curso Nova Análise do Caráter]

O único jeito de conhecer um pouco o psicopata é através de suas versões light, ou seja, quando não é o traço principal do analisando. Todos nós somos conjuntos dos vários tipos de caráter, conjuntos ordenados pela experiência: cada traço de caráter que vivemos é uma memória que persiste e não se torna passado.

Um traço de caráter é a reencenação de uma relação não realizada cuja tensão se refaz em cada encontro. Cada um de nós carrega essas relações e o resultado é que a vida é vivida como pesada. É claro que cada um de nós tem pesos objetivos a serem carregados, mas que podem ser carregados com maior ou menor esforço. Esse esforço de existir é o peso das feridas de amor, cuja cicatriz é o traço de caráter.
Continuar lendo

Sonhos, um truque

[botequim 25]

Botequim-25

Freud proibia a interpretação de sonhos fora da transferência e tinha toda a razão. Entender psicanaliticamente um sonho só faz sentido dentro do contrato de análise. Porque o contrato gera um campo de trabalho onde se invertem os valores da objetividade e da subjetividade. Fora do contrato a objetividade domina, enquanto dentro dele a realidade é a vida subjetiva.

Continuar lendo

A presença oral

Bosch-47

[aula 47 – Curso Nova Análise do Caráter]

A pessoa de aspecto frágil, frequentemente tagarela, em geral simpática deixa um rastro de vazio como se tivéssemos perdido algo que tínhamos antes do encontro. Esse é o preço a pagar por lidar com o caráter oral sem conhecimento. Saímos do encontro sentindo falta de algo indefinível, ou seja, saímos vorazes.

Esse termo é técnico e pede explicação, voracidade é um padrão de realização que consiste em estar recebendo, sem projeto para o recebido. Ele surge do reflexo de sucção que desaparece como fonte de prazer na primeira infância, mas que continua sob outra forma.

Continuar lendo

Respeito

[botequim 24]

Botequim-24

Essa palavra está meio antiquada porque ela tem dois sentidos, o de medo do outro e o do cuidado com ele. Esse medo do outro ficou fora de moda, como o medo da autoridade enquanto qualidade moral. Quem tem medo da autoridade agora é “antigo”. Esse sentido da palavra, no entanto, foi acrescentado pois originalmente a palavra se referia a cuidado, sua raiz latina é res pectum, coisa do peito, do afeto.

Continuar lendo

A presença esquizoide

Bosch-46

[aula 46 – Curso Nova Análise do Caráter]

Inicio hoje uma nova série sobre a forma de presença de cada tipo de caráter. Estou chamando de presença o conjunto: aparência e comunicação. É claro que transmitir a impressão de uma presença é tarefa de artista, não pode ser alcançada pelos meios triviais de expressão. Por isso separo a aparência e a comunicação, que podem ser descritas por esses meios.

Uma pessoa mais para o tipo alto e magro tem algo de esquisito: dentro de uma aparência em geral agradável, algo destoa. Olhando com mais atenção, vê-se que a movimentação tem limitações, que nos casos mais graves chega à semelhança com bonecos ou autômatos. Como se houvesse expressões congeladas, invariáveis. A esquisitice vem do contraste entre a aparência delicada e a dureza na movimentação. Dureza que se manifesta também em certa desaceleração dos movimentos, às vezes muito lentos.

Continuar lendo

Ternura

[botequim 23]

Botequim-23

Por favor, não pense em gatinhos, temos de abordar com respeito esta forma de vínculo que quando é verdadeira é discreta, pois diz respeito apenas aos envolvidos. A resposta à pergunta se o dinheiro traz felicidade está na ternura, quando falamos dela estamos falando da outra forma de riqueza, que é a das pessoas que temos.

Continuar lendo

Da celebração para a volta ao caráter

[aula 45 – Curso Nova Análise do Caráter]

Gravita-44
Terminada a celebração seria o caso de continuar o curso, mas não posso resistir à tentação de usar este momento para falar de algo muito importante que é a descrição do funcionamento do prejuízo que o caráter provoca sobre a autonomia espiritual ou psíquica. Continuar lendo

Sobre o sono

[botequim 22]

Botequim-22

Gostaria de começar convidando quem me lê a uma observação: é fácil perceber a relação entre transformações e quantidade de sono. O nenê, que se transforma dia a dia, dorme quase o tempo todo; como acontece com os adolescentes, cuja mudança é menos rápida mas também evidente.

Continuar lendo

O rio invisível [final]

Gravita-44

[aula 44 – Curso Nova Análise do Caráter]

Os motivos da gravitação

Nossa consciência é soma de duas mentes que só podem ser separadas pela imaginação, pois elas estão em conflito complementar, uma visando o prazer, a outra a economia de energia, uma definindo o fim, a outra os meios.

O que elas têm em comum é a forma de memória, que vou chamar de memória do presente ou inconsciente, que determina o que algo nos lembra, sem nós sabermos o motivo. O que está nessa memória, que embora seja sustentada pelo inconsciente, é como a memória consciente, tem função adaptativa, responde ao meio, mas de forma singular. Seu funcionamento é o que podemos chamar de resposta harmônica, quando são recuperadas todas as informações semelhantes, no passado, à circunstância presente, e somente elas. Como só o que é harmônico é recuperado não há confusão, mas enriquecimento do leque de opções para a situação. As duas mentes partilham dessa memória: a do prazer gerando movimento e a da economia de energia inibindo.

Continuar lendo

Maioridade penal

[botequim 21]

Botequim-21
Já foi dito que todo problema complicado tem uma resposta simples, que é falsa e é o caso da maioridade penal. Qual é a simplificação indevida que está em jogo? Ela se refere à responsabilidade, os defensores da medida se apoiam em uma afirmação verdadeira, a de que responsabilidade é outro nome da liberdade, se uma pessoa é capaz de fazer tem de ser capaz de responder pelo que faz. O problema está em qual é a autoridade que conduz a ligação entre o que é feito e a resposta.
Continuar lendo